Passou discretamente pelo circuito dos festivais de cinema independente entre 2006 e 2007 e conheceu estreia comercial em poucos países. Entre nós teve edição directa em DVD. Visibilidade injustificadamente reduzida para um filme que, contudo, pode agora para muitos ser uma verdadeira surpresa. Trata-se de O Homem da Sua Vida (no original L’Homme de Sa Vie), sexta experiência na realização da francesa Zabou Breitman, para muitos mais conhecida pelo seu trabalho como actriz.
Plasticamente sedutor, aproveitando as cores quentes, a luz intensa, as formas tranquilas e o ritmo lento da paisagem do Verão rural francês (que recentemente vimos ser igualmente marcante em filmes como Un Jour D’Eté, de Franck Guerin, exibido no Queer Lisboa 11, ou em Le Dernier des Fous, de Laurent Achard), O Homem da Sua Vida assenta num jogo de emoções, mais sentidas que claramente expressas, entre dois vizinhos, outrora estranhos. Um deles, Frederic, está ali de férias com a mulher, filho, avó, irmã, primos, amigos, numa casa de campo onde mesmo assim não falta espaço para tanta gente. O outro, Hugo, um designer gráfico que pode ali trabalhar todo o ano, consequência da era da comunicação digital, mora só numa casa que seria o sonho da Wallpaper. A família convida uma noite o vizinho designer para um jantar. E este deixa logo claro, entre as conversas cruzadas, os pratos e os copos, a sua homossexualidade. O que parecia estratégia de choque acaba, após o embate da revelação, tão assimilado como o jantar. Fréderic (interpretado por Bernard Campan) e Hugo (Charles Berling) são, ao fim do serão, os resistentes de uma noite que a conversa não quer que termine. Uma conversa fragmentada que deixa imediatamente claro haver entre ambos uma radicalmente distinta visão do amor e das relações amorosas, o primeiro sublinhando a importância da vida conjunta e da partilha, o segundo vincando nas suas palavras uma tese que não acredita num amor que não o físico, momentâneo e pontual.
Esta conversa, que vamos descobrindo, aos poucos, ao longo do filme, acaba por se revelar fulcral no desencadear dos acontecimentos desse Verão. Enquanto espectadores somamos episódios, assistindo à progressiva degradação da relação (outrora intensa e viva) de Fréderic com a sua mulher, esta denunciando em manifestações de ansiedade e mesmo desespero o fosso que se alarga, compreendendo gradualmente a sua causa. Ao mesmo tempo a ligação entre Fréderic e Hugo cresce inversamente proporcional, lançando dúvidas, hipotéticas respostas e evidente desejo... Estados emocionais que a realizadora opta por aglomerar como se de um poema filmado o filme se tratasse, entrecruzando por vezes a narrativa com imagens que ultrapassam o sentido de realismo com que a história central da trama é contada. Planos de um quarteto de cordas em performance (num bouquet de referências por onde passam peças de Philip Glass), olhares, paisagens, são elementos que aprofundam o sentido de debate interior numa história de descoberta que se revela de forma nada vulgar e que fazem deste filme uma experiência tão visualmente sedutora como narrativamente cativante. – N.G.