Wednesday, January 30, 2008

Mais um conto de Verão

Passou discretamente pelo circuito dos festivais de cinema independente entre 2006 e 2007 e conheceu estreia comercial em poucos países. Entre nós teve edição directa em DVD. Visibilidade injustificadamente reduzida para um filme que, contudo, pode agora para muitos ser uma verdadeira surpresa. Trata-se de O Homem da Sua Vida (no original L’Homme de Sa Vie), sexta experiência na realização da francesa Zabou Breitman, para muitos mais conhecida pelo seu trabalho como actriz.

Plasticamente sedutor, aproveitando as cores quentes, a luz intensa, as formas tranquilas e o ritmo lento da paisagem do Verão rural francês (que recentemente vimos ser igualmente marcante em filmes como Un Jour D’Eté, de Franck Guerin, exibido no Queer Lisboa 11, ou em Le Dernier des Fous, de Laurent Achard), O Homem da Sua Vida assenta num jogo de emoções, mais sentidas que claramente expressas, entre dois vizinhos, outrora estranhos. Um deles, Frederic, está ali de férias com a mulher, filho, avó, irmã, primos, amigos, numa casa de campo onde mesmo assim não falta espaço para tanta gente. O outro, Hugo, um designer gráfico que pode ali trabalhar todo o ano, consequência da era da comunicação digital, mora só numa casa que seria o sonho da Wallpaper. A família convida uma noite o vizinho designer para um jantar. E este deixa logo claro, entre as conversas cruzadas, os pratos e os copos, a sua homossexualidade. O que parecia estratégia de choque acaba, após o embate da revelação, tão assimilado como o jantar. Fréderic (interpretado por Bernard Campan) e Hugo (Charles Berling) são, ao fim do serão, os resistentes de uma noite que a conversa não quer que termine. Uma conversa fragmentada que deixa imediatamente claro haver entre ambos uma radicalmente distinta visão do amor e das relações amorosas, o primeiro sublinhando a importância da vida conjunta e da partilha, o segundo vincando nas suas palavras uma tese que não acredita num amor que não o físico, momentâneo e pontual.

Esta conversa, que vamos descobrindo, aos poucos, ao longo do filme, acaba por se revelar fulcral no desencadear dos acontecimentos desse Verão. Enquanto espectadores somamos episódios, assistindo à progressiva degradação da relação (outrora intensa e viva) de Fréderic com a sua mulher, esta denunciando em manifestações de ansiedade e mesmo desespero o fosso que se alarga, compreendendo gradualmente a sua causa. Ao mesmo tempo a ligação entre Fréderic e Hugo cresce inversamente proporcional, lançando dúvidas, hipotéticas respostas e evidente desejo... Estados emocionais que a realizadora opta por aglomerar como se de um poema filmado o filme se tratasse, entrecruzando por vezes a narrativa com imagens que ultrapassam o sentido de realismo com que a história central da trama é contada. Planos de um quarteto de cordas em performance (num bouquet de referências por onde passam peças de Philip Glass), olhares, paisagens, são elementos que aprofundam o sentido de debate interior numa história de descoberta que se revela de forma nada vulgar e que fazem deste filme uma experiência tão visualmente sedutora como narrativamente cativante. – N.G.

A edição portuguesa de O Homem da Sua Vida, é assegurada pela Lusomundo. O filme surge na sua versão original em francês, legendado em português. Os conteúdos adicionais desta edição limitam-se ao trailer.

Teddys especiais de 2008 foram revelados

Associada à 58ª Berlinale, a 22ª edição dos Teddy Awards anunciou já quais os "teddys" honorários a atribuir este ano. A actriz Tilda Swinton (na imagem), figura frequente no cinema de Derek Jarman e inesquecível em papéis em filmes como Orlando, de Sally Potter ou The Deep End, de Margaret Hall, receberá um desses prémios especiais, em conjunto com James Mackay, Isaac Julien, Colin McCabe, Keith Collins and Simon Fisher Turner, ou seja, os membros mais representativos da filmografia de Jarman. A actriz estará em Berlim para promover o seu novo filme e receber este prémio. Serão também homenageados com um Teddy de honra os críticos de cinema Hans Stempel e Martin Ripkens, pelos 50 anos de vida conjunta em favor da divulgação do cinema queer e do cinema de autor em geral.

Tuesday, January 29, 2008

Wig In a Box no iTunes português

A loja iTunes portuguesa inclui no seu catálogo o álbum Wig In A Box, tributo às canções do filme Hewdig & The Angry Inch (entre nós estreado como Hedwig: A Origem do Amor), de John Cameron Mitchell. O disco esteve na base da criação do documentário Follow My Voice - With The Music Of Hedwig, que integrou a programação do Queer Lisboa 11 e, de certa forma, acaba por ser também o registo da sua banda sonora. Nele encontramos nomes como os de Rufus Wainwright, The Breeders, Frank Black, Yoko Ono, Yo La Tengo, Polyphonic Spree, Spoon, Jonathan Richman, Cindy Lauper, o próprio Cameron Mitchell ou a tripla de "Bens" Ben Kweller + Ben Folds + Ben Lee, entre outros mais (num total de 16 temas) entregues à reinvenção das canções do musical Hedwig & The Angry Inch. O álbum foi gravado em 2003 com o intuito de recolher fundos para o apoio à Harvey Milk School, em Nova Iorque, instituição de ensino que o documentário Follow My Voice apresenta. Wig In a Box, na sua edição original, em CD, não teve distribuição em Portugal.

Monday, January 28, 2008

Comme des Voleurs vence Zinegoak 08

O filme Comme des Voleurs, do suíço Lionel Baier (exibido no Queer Lisboa 11) venceu o prémio de Melhor Longa Metragem de Ficção no Zinegoak 08, festival de cinema gay e lésbico de Bilbao (Espanha), que decorreu na última semana. O júri destacou Comme des Voleurs por "fazer da construção da identidade de um jovem gay um filme emocionante, vivo e universal" e elogiou ainda as interepretações de Lionel Baier e Natacha Koutchouva. Itty Bitty Titty Comitte, de Jamie Babbit, também exibido no Queer Lisboa 11, venceu o Premio Lesbianismo Y Genero, atribiuído pela autarquia local.

Sunday, January 27, 2008

As Canções de Amor com quatro
nomeações para os Cesares

O filme As Canções de Amor, de Christophe Honoré, soma quatro nomeações para os Cesares, os "Oscares" do cinema francês. O filme está nomeado nas categorias de Melhor Esperança Masculina (Grégoire LePrince-Ringuet - na imagem, à esquerda), Melhor Esperança Feminina (Clotilde Hesme), Melhor Som e Melhor Música (aqui destacando as canções de Alex Beaupain). Os vencedores serão conhecidos a 22 de Fevereiro.

Loucuras do dia a dia

Baseado em Running With Scissors, o controverso livro, alegadamente autobiográfico, de Augusten Burroughs, publicado em Portugal pela Bico de Pena como Correr com Tesouras, Recortes da Minha Vida (Running With Scissors no original) é, apesar de relativamente recente (estreia nos EUA em 2006), uma pérola esquecida do cinema vivencial contemporâneo. E tem, agora, edição em DVD entre nós. Com argumento adaptado, produção e realização de Ryan Murphy, o filme conta com um elenco no qual se destacam, entre outras, as presenças de Annette Benning, Joseph Fiennes, Alec Baldwin ou Gyneth Paltrow. Antes de mais recorde-se a polémica levantada pelo livro, originalmente publicado como uma memória. Muitos dos citados levantaram-se contra declarações e situações referidas, denunciando-as como abusivas, mesmo falsas. O autor chegou a anuir, num encontro para compensação de perdas e danos, tratar-se de uma história essencialmente ficcional. O que não o impediu de, pouco depois, voltar a sublinhar o carácter biográfico da escrita...

No filme, que em pontos ocasionais se destaca do livro, conhecemos a história de Augusten Burroughrs (interpretado aqui por Joseph Cross), um jovem filho de uma mulher perturbada que sonha ser um dia uma poetisa reconhecida e que, a dada altura, opta por deixar o filho, então com 12 anos, na estranha casa da família de Dr. Finch, o seu psiquiatra. Num pequeno mundo, no qual é difícil perceber se há sãos entre tantos loucos (a começar pelo médico), Augusten vive a sua adolescência. Infeliz. E regista, num diário, as situações pelas quais passa nessa excêntrica mansão na qual a árvore de Natal fica montada o ano inteiro e não faltam comprimidos para males da alma e onde encontra um novo conceito de família e um novo modo de vida, que cedo o leva a rejeitar a escola. É também aí que ocorre o despertar da sua sexualidade, numa relação com um homem mais velho que, como em tudo entre os Finch, se revela longe de seguir os caminhos mais esperados... Cortante paródia ao protagonismo do “psicologês” nas vidas contemporâneas, Recortes da Minha Vida cruza as linguagens da comédia com uma narrativa central dramática, o bizarro e o insólito deixando-nos frequentemente perdidos entre a gargalhada e mais um pólo de séria reflexão. Como explica depois o realizador num dos extras, esta é uma história onde não há bons nem maus. Todas as personagens têm um pouco dos dois extremos, instáveis, surpreendentes por vezes. Tão reais que parecem de ficção... De certa forma próximo de outros retratos, fragmentados, da vida comum que, nos últimos anos, encontrámos em filmes como Beleza Americana (Sam Mendes, 1999) ou Happy Endings (Don Roos, 2006), Recortes da Minha Vida é filme a resgatar, quanto antes, ao anonimato a que parece votado. – N.G.

A edição nacional, em DVD, de Recortes da Minha Vida, de Ryan Murphy, assegurada pela Sony Pictures, junta ao filme uma série de conteúdos adicionais. Ao todo, a oferta de extras propõe três documentários distintos. Escutamos, num primeiro, opiniões dos actores e do próprio realizador sobre o filme, as suas personagens e história que nos contam. Num segundo, o próprio Augusten Burroughs, um dos co-produtores de Recortes da Minha Vida, coloca na primeira pessoa a relação do seu passado com o que o filme mostra. Histórias de uma infância da qual, diz, fugiu anos a fio, mas que o moldaram como homem. A terminar, um olhar sobre a forma como foi construído o cenário da casa dos Finch, elemento central a toda a história.

Friday, January 25, 2008

Um casamento em tudo inesperado

Uma incursão do cinema mainstream, em registo de comédia, pelos universos da cultura queer, Declaro-vos Marido e... Marido (no original I Now Pronounce You Chuck and Larry) revela-se mais que apenas uma colecção de gags para gargalhadas fáceis. Na verdade, esta é uma história de feitiços virados contra os feiticeiros, revelando a “outra” face de uma medalha a dois homens que começam por simular um casamento gay para resolver questões financeiras e acabam feitos inesperados ícones da sua comunidade.

No centro da acção estão Chuck (Adam Sandler) e Larry (Kevin James), dois bombeiros de Brooklyn (Nova Iorque), o primeiro um incansável mulherengo, o segundo, viúvo e pai de dois filhos, a braços com sérias complicações financeiras. Como solução para os problemas, Larry desafia Chuck a simularem uma união gay. O caso rapidamente chega a um departamento local que averigua da veracidade destas situações. Ou, como diz a dada altura o inspector (interpretado por Steve Buscemi), não esteve a comunidade LGBT a lutar pelos seus direitos anos a fio para, agora, outros se aproveitarem, indevidamente, de certas conquistas. Chuck e Larry têm, a todo o custo, de provar que são mesmo um casal gay... E é aí que o filme descola, num desfile (por vezes hilariante) dos mais estafados clichés, que parodia... Nem falta uma festa ao som de Abba e Pet Shop Boys... Neste processo entra em cena o já referido reverso da medalha. Ou seja, integrados na comunidade a que fingem pertencer, Chuck e Larry conhecem então atitudes discriminatórias e, claramente, situações de homofobia. E é aí que o realizador Dennis Duncan consegue fazer de Declaro-vos Marido e... Marido mais que apenas uma inócua comédia de domingo à tarde. É curiosa a relação da evolução da história com os filhos de Larry, ela dada aos desportos, ele ao showbiz, que não estranham em nada a entrada do tio Chuck nas suas vidas de forma mais permanente. A troca de papéis dos protagonistas lança ainda outros debates, nada subliminares, expõe comportamentos, desmonta-os inclusivamente. Consequência da “revelação” do casamento (entretanto forjado no Canadá), Chuck e Larry viram ícones da comunidade LGBT local, reconquistam os colegas de trabalho, apesar de nunca demoverem as suspeitas do chefe do batalhão (Dan Akroyd). A complicar tudo, mais ainda, vemos o despertar da paixão de Chuck pela advogada que os defende...

A edição nacional de Declaro-vos Marido e Marido (pela Universal) inclui uma vasta galeria de extras. São hilariantes os bloopers, sobretudo os que envolvem o actor Rob Schneider. As cenas cortadas, com comentários do realizador, revelam dados adicionais à história (nomeadamente a aceitação tranquila das revelações do filho pelos pais de Chuck). Sandler e James comentam grande parte dos extras, num deles referindo, um a um, os actores, amigos e músicos que desafiaram para participar no filme. Num pequeno documentário explica-se ainda o trabalho de duplos na construção de uma cena arriscada. Num outro vemos como o realizador experimenta as situações em que coloca os seus actores antes de dada a ordem para filmar.

Thursday, January 24, 2008

Wild Tigers I Have Known
com edição inglesa em DVD

Foi já anunciada a edição inglesa (Região 2, ou seja, a mesma a que Portugal pertence) do filme de Cam Archer Wild Tigers I Have Known que integrou a secção competitiva de longas metragens do Queer Lisboa 11. O filme, com produção executiva de Gus Van Sant, sairá em DVD por uma pequena independente, a Soda Pictures, a 25 de Fevereiro. A edição americana, disponível desde 2007, surgiu pela Genious Entertainment. O filme não consta, por enquanto, na agenda de futuros lançamentos de nenhum catálogo nacional. No Reino Unido, onde estão já editados os DVDs de Boy Culture e Un Jour d'Eté, esperam-se, nas próximas semanas, as edições de Glue e The Bubble. Todos estes filmes integraram, como o de Cam Archer, a competição oficial do Queer Lisboa 11.

Sunday, January 20, 2008

Do Festival para o DVD
Follow My Voice
Katherine Linton, 2007

John Cameron Mitchell foi um dos realizadores mais representados e citados no Queer Lisboa 11. Além de dois telediscos seus na secção Queer Pop (para músicas dos Scissor Sisters e Brighy Eyes) e da passagem do making of do seu filme Shortbus na secção de curtas-metragens, um outro filme exibido no festival nasceu de um outro projecto seu. Trata-se de Follow My Voice – With The Music Of Hedwig, um documentário que revela a criação de um tributo às canções de Hedwig And The Angry Inch que serviu também de álbum de beneficência ao serviço da escola nova-iorquina Harvey Milk School. Na verdade, o filme, de Katherine Linton, é mais que apenas o acompanhar da gravação de um disco (onde colaboram músicos como Rufus Wainwright, Frank Black, as Breeders, Polyphonic Spree, Cindy Lauper, Yo la Tengo ou Yoko Ono) e o revelar de uma escola que tem acolhido alunos que foram alvo de discriminação e, frequentemente, agressões. Na verdade, a força do documentário reside nos retratos de quatro alunos da escola, que descobrimos através de vídeo diaries que a realizadora a cada um incumbiu de fazer. A montagem, cuidada, assegura uma espécie de evolução em paralelo das três realidades que descobrimos: escola, alunos e as canções que vão nascendo com o fim de os ajudar.

A edição em DVD de Follow My Voice é acompanhada por uma considerável multidão de extras. Quatro curtos documentários permitem-nos acompanhar a gravação das contribuições dos Polyphonic Spree, The Breeders, Jonathan Richman e da parceria entre Bem Kweller, Bem Folds e Ben Lee. A cada documentário junta-se, como complemento, a interpretação integral, em estúdio, da canção gravada. Há dois outros curtos documentários, um deles revelando o encontro de três dos alunos da escola protagonistas do filme, no momento em que se juntam num estúdio para gravar o comentário ao filme, que também se pode escutar nesta edição em DVD. A fechar, o inevitável trailer. Edição apenas disponível, por enquanto, nos EUA.

Tuesday, January 15, 2008

Cruising chega ao DVD

O polémico filme de 1980 Crusing, de William Friedkin, terá brevemente edição em DVD. Crusing gerou fortes reacções de protesto junto de activistas da comunidade gay nova-iorquina mesmo antes da sua estreia. Estes protestos chegaram mesmo a tomar a forma de manifestações públicas, envolvendo desde cedo esta produção numa polémica que acabaria por resultar em resultados de bilheteira abaixo do esperado. Houve também quem tentasse boicotar as filmagens. As críticas apontavam marcas de homofobia patentes no filme, temendo um florescimento de eventuais crimes de ódio na sequência da sua exibição. A crítica cinematográfica também não foi positiva. Cruising relata a história de um polícia (interpretado por Al Pacino), que tenta resolver uma série de assassinatos de homossexuais na Nova Iorque de 70. O filme e resulta de uma adaptação do livro, com o mesmo título, escrito por Gerald Walker, um jornalista do New York Times.

Sunday, January 13, 2008

Pode alguém ser quem não é?

Acaba de ser editado entre nós, em DVD, pela Pride Films, o filme Hard Pill (EUA, 2005) – com o título em português Dura Pílula -, longa-metragem de estreia de John Baumgartner, que integrou a competição de longas-metragens da décima edição do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, em 2006.

Num registo de comédia dramática, John Baumgartner usa a vida mundana de um trintão norte-americano desencantado para lançar um interessante debate do foro ético: a “cura” da homossexualidade. Tim (Jonathan Slavin) é o protagonista. Aos 33 anos o seu perfil mostra um homem de vida profissional rotineira, com pouca sorte no amor, avesso às lógicas do corpo e do engate rápido que descreve como “moeda corrente” no mundo gay que conhece, encantado com um “amigo” “hetero” com quem passa ocasionais serões mornos. Tim tem, de resto, uma história antiga de atracções pelos homens “errados”... E um novo colega de trabalho acaba por revelar-se a gota de água... Apesar da atenção de amigos, com quem partilha o local de trabalho, a solidão ensurdece-o. A ponto de se oferecer, como cobaia, a testes de um novo fármaco que promete “curar” a homossexualidade.

É aí que o filme ganha corpo. Usando imagens que simulam vox populi, escutamos posições da sociedade face a esta nova pílula, dos que a entendem como forma de genocídio aos que a assinalam como forma de devolver as pessoas ao “normal”. Apesar da aparente neutralidade perante os depoimentos (todos eles de ficção, naturalmente), o filme toma evidente partido. Através das reacções dos amigos, de fracassados casos com mulheres que entretanto ganham forma e da constatação, afinal, que essa não era, nem pode ser, a solução, John Baumgartner usa Hard Pill como parábola contra a eventuais tentativas de “normalização” do que há de mais vivo em cada ser humano: a sua personalidade, as suas opções. No fundo, a sua identidade.

Narrativamente interessante, mostrando o realizador sabendo usar uma montagem em paralelo para alargar a nossa capacidade de observar o mundo em redor do protagonista, Hard Pill não se afasta contudo dos códigos habituais no telefilme, talvez assim assegurando a solidez final de uma boa ideia com orçamento que se adivinha longe de patamares de sonho. Apesar da intensidade emocional de alguns momentos vividos na história e, sobretudo, do sério debate que o filme levanta, Hard Pill recorre a pontuais dispositivos de humor, servindo ocasionais janelas de comic relief... Sobretudo na mordaz forma como acaba por criticar-se semelhante ideia de duvidosa farmacologia. – N.G.

Friday, January 11, 2008

Loja iTunes inclui banda sonora
de Wild Tigers I Have Known

Apesar de não ter tido edição nacional em CD, a banda sonora do filme Wild Tigers I Have Known, de Cam Archer (que integrou a secção competitiva de longas metragens de ficção do Queer Lisboa 11) está agora disponível na loja iTunes portuguesa. A edição digital corresponde em tudo ao alinhamento do CD, incluindo participações de diversos nomes do actual panorama alterantivo como David Tibet (a solo e com os Current 93), Six Organs Of Admitance, Djuna Bel ou Emily Jane White, esta última sendo a autora e intérprete da canção-tema com o mesmo título do filme. A loja iTunes portuguesa tem ainda no seu catálogo o álbum Dark Undercoat, disco de 2007 de Emily Jane White, em cujo alinhamento encontramos também a canção Wild Tigers I Have Known.

Thursday, January 10, 2008

Do Festival para o DVD
Red Without Blue
B. Seabold, B. Sills e T. Sills, 2007

Premiado em diversos festivais, entre os quais Sundance, São Francisco, Toronto, Silverlake ou Miami, Red Without Blue integrou a secção competitiva de documentários em longa-metragem do Queer Lisboa 11 e recentemente foi exibido na RTP N. Realizado por Brooke Sebold, Benita Sills e Todd Sills, o filme coloca-nos perante a história de Mark e Clair, hoje um jovem estudante de pintura e uma finalista de sociologia e psicologia nascidos, há 23 anos, como gémeos idênticos. Nasceram, portanto, rapazes. Alex, o primeiro, foi imediatamente vestido a azul. Mark, logo depois, a vermelho. Cresceram juntos, numa família que revelaria não estar preparada para certas mudanças, quando estas começaram a surgir. Depois do divórcio dos pais, a história da família assiste ao outing de Alex. Pouco depois ao de Mark... A sua relação com a escola e colegas deteriora-se, sobretudo com o consumo de drogas, que inclusivamente começa a afastar os irmãos, atingindo-se um quase ponto de ruptura numa tentativa de suicídio, aos 15 anos de idade. Separados para programas de desintoxição distintos, passaram dois anos longe um do outro. E no momento do reencontro, Alex revela ao irmão que quer ser Clair.

Esta é a trama que nos conduz à história, no presente, que vemos em Red Without Blue. O filme lembra a cadência narrativa e, inclusivamente, certas marcas de estilo do Tarnation de Jonathan Caouette. É mais que uma mera colagem de entrevistas. Antes, dissemina-as, ciente de que há uma narrativa a contar, e não apenas palavras a escutar. Usa o flashback, observa os protagonistas e o ambiente que os envolve, sugere mesmo processos de empatia (as figuras, apesar de reais, quase têm uma aura de cativantes personagens de ficção), evita as habituais “rasteiras” televisivas e usa, nos momentos certos, uma banda sonora bem escolhida (de Antony & The Johnsons e CocoRosie aos Magnetic Fields). O filme assenta, apesar das incursões pelo passado, no presente que assiste ao reencontro dos irmãos. Tocante, cinematograficamente exigente, Red Without Blue é um dos melhores documentários LGBT dos últimos anos. N.G.

Está já no mercado internacional uma edição em DVD de Red Without Blue. O DVD (lançamento em zona 0) tem leitura em qualquer aparelho. Além do filme (com 74 minutos de duração), o DVD propõe alguns extras interessantes, nomeadamente uma galeria de cenas cortadas (revelando estas uma correcta opção dos realizadores), imagens (em fotografia e uma sequência em vídeo) do trabalho artístico de Mark, uma entrevista com os gémeos onde se fala dos efeitos do filme nas suas vidas e na sua relação com a família, e uma outra, feita pelos irmãos aos três realizadores, onde estes explicam como chegaram a esta história, a transformaram em cinema e depois viveram o impacte que a exibição de Red Without Blue tem vindo a ter, sobretudo no circuito de festivais de cinema. A edição não é legandada.

Monday, January 7, 2008

'Fora da Lei' no Zinegoak 08

Fora da Lei, filme da realizadora portuguesa Leonor Areal, integra a selecção oficial do Zinegoak 08, festival de cinema gay e lésbico de Bilbao, que decorre de 21 a 27 deste mês. O filme passou na secção competitiva do Queer Lisboa 11, em 2007.

Sunday, January 6, 2008

Do Festival para o DVD
Gypo
Jan Dunn, 2006

Primeira longa-metragem da realizadora britânica Jan Dunn, Gypo, integrou a competição na décima edição do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, em 2006. Tal como então revelaram a realizadora e produtora, que na ocasião estiveram em Lisboa, o filme nasceu de um muito limitado orçamento, recorrendo ambas, apenas, aos seus cartões de crédito. Gypo, todavia, tornou-se um filme não só internacionalmente premiado (venceu galardões nos British Independent Film Awards e o festival Frameline, de São Francisco), como até se revelou, depois de estreado, um caso comercialmente bem sucedido. O seu sucesso e visibilidade garantiram o financiamento suficiente para uma segunda produção da mesma equipa – Ruby Blue, com Bob Hoskins, estreado em 2007 – estando neste momento a realizadora a trabalhar na pré-produção de nova longa-metragem, que terá Brenda Blethyn no papel protragonista.

Por necessidades de produção, ou seja, as já referidas limitações orçamentais, Gypo aceitou as regras Dogma 95 para narrar a pungente história de três personagens, duas delas Helen (Pauline McLyn, uma acriz veterana sobretudo com história feita em papéis de comédia) e Paul, formando um desencantado casal de classe proletária inglesa residente em Margate, a terceira sendo uma jovem refugiada vinda de leste, que, juntamente com a mãe, são alvo de manifestações de xenofobia pela comunidade local. A desagregação do casal inglês é central ao lançamento da trama e revela-se inevitável pela palavras e acções desagradáveis, ensopadas em preconceitos, intolerância e ignorância que Paul lança contra a jovem Tasha que, por sua vez, acabará por lembrar à mais velha Helen o que é ser alvo de cuidada atenção, e mesmo amor, verdades que um casamento de 25 anos há muito esqueceu (se é que alguma vez conheceu).

Cada história tem três lados, três ângulos que permitem a quem está de fora a visão plena e justa dos factos. Assim sendo, o filme surge dividido em três partes, cada qual centrada no protagonismo de cada uma das três personagens centrais. A história é, assim, servida de pontos de vista distintos, uns completando as revelações dos outros. Engenhoso golpe de asa narrativo sobre um argumento sólido e interpretações convincentes. Ou seja, contra o que vimos noutros filme “dogma”, nos quais o dispositivo formal parece ofuscar os realizadores pelas suas características visuais e técnicas, em Gypo o “dogma” é apenas ferramenta ao serviço de uma história que Jan Dunn mostra saber contar. Como escapou um filme como este ao circuito comercial? - N.G.

Gypo surgiu já em edição em DVD no Reino Unidos e EUA. A edição inglesa (Região 2) apresenta, além do filme, a hipótese de visionamento com comentários da realizadora, assim como um making of que dá conta do ambiente informal em que a produção decorreu, sublinha o engenho da equipa de produção perante um tão limitado orçamento e revela o entusiasmo com que os actores aderiram ao projecto. A edição inclui legendas em inglês.

Friday, January 4, 2008

'Mala Noche' em lançamento local

A Costa do Castelo acaba de editar, no mercado nacional, o DVD de Mala Noche, filme de estreia de Gus Van Sant que, há poucos meses, teve finalmente exibição nas salas portuguesas. Comentário crítico a este lançamento brevemente, neste blogue.

Thursday, January 3, 2008

Clássicos Queer Pop:
Bronski Beat, 1984

Os Bronski Beat surgiram da reunião do entusiasmo de três amigos, que partilhavam um pequeno apartamento em Brixton (Londres) em 1983. Com apenas nove concertos apresentados viram-se a assinar um contrato com a London Records, estreando-se discograficamente em Junho de 1984 com o single Smalltown Boy. A canção levantava uma série de questões, da homofobia à solidão, passando pelas formas de incompreensão que nascem na família perante a descoberta da homossexualidade de um filho, num registo claramente herdeiro do hi-nrg chegado das noites de Nova Iorque e São Francisco, vincando personalidade pela invulgar postura vocal de Jimmy Sommerville. A canção foi acompanhada por um teledisco, realizado por Bernard Rose, no qual a banda procurou uma ilustração narrativa directa da letra de Smalltwon Boy. O single foi um êxito estrondoso, atingindo o número três no top inglês e um inesperado número 48 nos EUA, abrindo caminho para a carreira de sucesso do álbum The Age Of Consent, editado poucos meses depois. A mais de 20 anos de distância, Smalltown Boy é hoje recordado como um dos grandes clássicos da pop dos anos 80.



Smalltown Boy
Bronski Beat, 1984
(London Records)
Canção disponível no álbum The Age Of Consent

Wednesday, January 2, 2008

Filmes do Queer Lisboa 11 chegam ao DVD

Mais três filmes que intregraram a edição de 2007 do festival chegam nos próximos tempos ao DVD. São eles The Bubble, de Eytan Fox, que é lançado em diversos países europeus a 3 de Março, Glue, de Alexis dos Santos, que chega ao mercado do Reino Unido já no próximo dia 5 de Janeiro e Davy & Stu, curta de Soman Chainni (realizador que estreve presente em Lisboa), esta última integrada no volume seis da série Boys' Life, com lançamento nos EUA (Região 1, sistema NTSC) este mês. Brevemente aqui daremos conta de outros filmes apresentados na última edição do festival já com lançamento em DVD. Nenhum deles, contudo, ainda previsto para o mercado nacional. A imagem que ilustra este post é do filme The Bubble.

Tuesday, January 1, 2008

'Mysterious Skin' de Gregg Araki
com edição nacional em DVD

Mysterious Skin - Pele Misteriosa assinala a primeira experiência com grandes meios de produção para o realizador Gregg Araki, uma das mais destacadas figuras do chamado new queer cinema. Estreado em 2005, chegou às nossas salas no Verão de 2007 e, agora, surge em DVD numa edição simples, sem extras.

Esta é, a traços largos, a história de dois rapazes com raízes numa mesma pequena cidade remota no interior dos EUA. O reencontro, no presente, coloca juntas duas vidas separadas desde a infância, na sequência de um incidente que moldaria as vidas de ambos. Abusados, cada qual interioriza o choque traumático à sua maneira. Brian (interpretado por Brady Corbet, que brevemente veremos numa nova versão de Funny Games, de Michael Haneke), que sofreu uma “branca” na memória, recordando apenas o retomar dos sentidos na cave de sua casa, a sangrar do nariz, pensa que foi raptado por extraterrestres. Nick (soberba interpretação do promissor Joseph Gordon-Levitt, que em 2006 um ano vimos em Brick, de Rian Johnson), por seu lado, cresceu seguro, popular, rebelde, saudável. Mas assombrado por uma dúvida: o que é o amor? Dúvida cuja resposta vai tentar encontrar em Nova Iorque. Separados, um procura respostas nas estrelas, enquanto o outro chega a experimentar encontros (que não os do terceiro grau) com os homens que lhe aparecem pela frente. Um amigo comum vai juntar os seus caminhos e, do reencontro, afinal, resposta que, na verdade, já esperavam...
Neste filme, Gregg Araki aborda com evidente cautela gráfica as sequências que ilustram a memória remota dois rapazes. Nesse aspecto, o filme é, como Araki definiu à altura da sua estreia, “muito discreto”, sublinhando opções que privilegiaram "os pontos de vista subjectivos" das personagens centrais.
O filme é baseado no primeiro romance do escritor norte-americano Scott Heim, que Araki leu no ano da sua edição (1996). Começou então por trabalhar uma primeira proposta para uma possível eventual adaptação para o cinema, submetendo-a ao atelier de desenvolvimento de argumentos do Festival de Sundance. Nada aconteceu. Em 2003, depois de um grupo de teatro de São Francisco ter adaptado o texto original para uma produção que lhe deu alguma visibilidade, Gregg Araki, retoma o velho projecto, e escreve ele mesmo o argumento. Fala com o escritor, procurando consentimento para integrar no filme algum do lirismo do romance e restituir a proximidade com a sua fonte original.
Nota final para a soberba banda sonora, resultado de uma parceria entre Harold Budd e o ex-Cocteau Twins Robin Guthrie, que encetou um relacionamento profissional entre ambos os músicos, que ainda hoje se mantém vivo.