Sunday, January 13, 2008

Pode alguém ser quem não é?

Acaba de ser editado entre nós, em DVD, pela Pride Films, o filme Hard Pill (EUA, 2005) – com o título em português Dura Pílula -, longa-metragem de estreia de John Baumgartner, que integrou a competição de longas-metragens da décima edição do Festival de Cinema Gay e Lésbico de Lisboa, em 2006.

Num registo de comédia dramática, John Baumgartner usa a vida mundana de um trintão norte-americano desencantado para lançar um interessante debate do foro ético: a “cura” da homossexualidade. Tim (Jonathan Slavin) é o protagonista. Aos 33 anos o seu perfil mostra um homem de vida profissional rotineira, com pouca sorte no amor, avesso às lógicas do corpo e do engate rápido que descreve como “moeda corrente” no mundo gay que conhece, encantado com um “amigo” “hetero” com quem passa ocasionais serões mornos. Tim tem, de resto, uma história antiga de atracções pelos homens “errados”... E um novo colega de trabalho acaba por revelar-se a gota de água... Apesar da atenção de amigos, com quem partilha o local de trabalho, a solidão ensurdece-o. A ponto de se oferecer, como cobaia, a testes de um novo fármaco que promete “curar” a homossexualidade.

É aí que o filme ganha corpo. Usando imagens que simulam vox populi, escutamos posições da sociedade face a esta nova pílula, dos que a entendem como forma de genocídio aos que a assinalam como forma de devolver as pessoas ao “normal”. Apesar da aparente neutralidade perante os depoimentos (todos eles de ficção, naturalmente), o filme toma evidente partido. Através das reacções dos amigos, de fracassados casos com mulheres que entretanto ganham forma e da constatação, afinal, que essa não era, nem pode ser, a solução, John Baumgartner usa Hard Pill como parábola contra a eventuais tentativas de “normalização” do que há de mais vivo em cada ser humano: a sua personalidade, as suas opções. No fundo, a sua identidade.

Narrativamente interessante, mostrando o realizador sabendo usar uma montagem em paralelo para alargar a nossa capacidade de observar o mundo em redor do protagonista, Hard Pill não se afasta contudo dos códigos habituais no telefilme, talvez assim assegurando a solidez final de uma boa ideia com orçamento que se adivinha longe de patamares de sonho. Apesar da intensidade emocional de alguns momentos vividos na história e, sobretudo, do sério debate que o filme levanta, Hard Pill recorre a pontuais dispositivos de humor, servindo ocasionais janelas de comic relief... Sobretudo na mordaz forma como acaba por criticar-se semelhante ideia de duvidosa farmacologia. – N.G.