
Sem o sentido plástico do assombroso A Paixão de Joana D’Arc (1928), aproximando-se mais dos códigos do teatro e, de certa maneira, podendo ser visto como um antepassado de uma linguagem que ganharia expressão maior no seu último filme, Getrud (1964), Michael é baseado no romance homónimo de Herman Bang (originalmente publicado em 1902) e, mais que uma anterior adaptação ao cinema desse livro (oito anos antes, por Mauritz Stiller), segue respeitosamente a narrativa e perfis psicológicos dos seus protagonistas. No centro da acção está o relacionamento (nunca explícito, todavia claramente sugerido) entre um “mestre” pintor, de nome Claude Zoret (interpretado por Benjamin Christensen), e um jovem aprendiz, Michael (Walter Slezak) que se tornou seu modelo, deu fama aos seus quadros e por quem se apaixonou. A imponente e palaciana casa do “mestre” é cenário para a maioria das sequências de um filme que, apesar dos elegantes cenários, centra a atenção nas figuras e, mais que as suas expressões (como era habitual nos dias do mudo), nos seus diálogos, naturalmente registados em intertítulos, cuja leitura é fulcral para o acompanhamento da evolução da narrativa. A entrada em cena de uma condessa (falida), que começa por pedir um retrato ao “mestre”, sonhando na verdade com a sua conta bancária, monopoliza rapidamente as atenções de Michael. Este cai de amores pela enigmática mulher e, progressivamente, afasta-se das rotinas da casa que antes o acolhera. Através de Michael, a condessa vive luxos, os empréstimos bancários sendo contudo pagos, discretamente, pelo pintor... Quando este descobre que o protegido modelo vendeu um quadro que lhe oferecera, assim como desenhos de umas idílicas férias onde se amaram, adoece. No leito de morte, Michael é chamado a ver o “mestre”, mas a condessa impede que este receba a carta que o convocava... “Agora posso morrer em paz, porque vi amor de verdade”, são as suas últimas palavras...
De ritmo lento, mas não contemplativo, poético, Michael é uma peça fundamental na história das primeiras manifestações de homossexualidade no cinema, revelando, apesar do recurso à sugestão, situações que o cinema poucas vezes voltaria a mostrar da mesma forma antes dos anos 60.Há uma edição em DVD pela Eureka, que apresenta duas transcrições diferentes do filme, com duas bandas sonoras alternativas como opção.
Michael
Realização: Carh Theodor Dreyer
Elenco: Benjamin Christensen, Walter Slezak, Max Auzinger, Nora Gregor
País: Alemanha
Ano: 1924