Juntamente com Anders als die Andern (frequentemente referido pelo título em inglês Different From The Others), de Richard Oswald (1919), Michael, filme mudo de 1924 do realizador dinamarquês Carl Theodor Dreyer representa uma das primeiras longas metragens de ficção cuja acção assenta sobre uma história de amor gay. De comum, curiosamente, o facto de ambos os filmes serem produções alemãs.
Sem o sentido plástico do assombroso A Paixão de Joana D’Arc (1928), aproximando-se mais dos códigos do teatro e, de certa maneira, podendo ser visto como um antepassado de uma linguagem que ganharia expressão maior no seu último filme, Getrud (1964), Michael é baseado no romance homónimo de Herman Bang (originalmente publicado em 1902) e, mais que uma anterior adaptação ao cinema desse livro (oito anos antes, por Mauritz Stiller), segue respeitosamente a narrativa e perfis psicológicos dos seus protagonistas. No centro da acção está o relacionamento (nunca explícito, todavia claramente sugerido) entre um “mestre” pintor, de nome Claude Zoret (interpretado por Benjamin Christensen), e um jovem aprendiz, Michael (Walter Slezak) que se tornou seu modelo, deu fama aos seus quadros e por quem se apaixonou. A imponente e palaciana casa do “mestre” é cenário para a maioria das sequências de um filme que, apesar dos elegantes cenários, centra a atenção nas figuras e, mais que as suas expressões (como era habitual nos dias do mudo), nos seus diálogos, naturalmente registados em intertítulos, cuja leitura é fulcral para o acompanhamento da evolução da narrativa. A entrada em cena de uma condessa (falida), que começa por pedir um retrato ao “mestre”, sonhando na verdade com a sua conta bancária, monopoliza rapidamente as atenções de Michael. Este cai de amores pela enigmática mulher e, progressivamente, afasta-se das rotinas da casa que antes o acolhera. Através de Michael, a condessa vive luxos, os empréstimos bancários sendo contudo pagos, discretamente, pelo pintor... Quando este descobre que o protegido modelo vendeu um quadro que lhe oferecera, assim como desenhos de umas idílicas férias onde se amaram, adoece. No leito de morte, Michael é chamado a ver o “mestre”, mas a condessa impede que este receba a carta que o convocava... “Agora posso morrer em paz, porque vi amor de verdade”, são as suas últimas palavras...
De ritmo lento, mas não contemplativo, poético, Michael é uma peça fundamental na história das primeiras manifestações de homossexualidade no cinema, revelando, apesar do recurso à sugestão, situações que o cinema poucas vezes voltaria a mostrar da mesma forma antes dos anos 60.Há uma edição em DVD pela Eureka, que apresenta duas transcrições diferentes do filme, com duas bandas sonoras alternativas como opção.
Michael
Realização: Carh Theodor Dreyer
Elenco: Benjamin Christensen, Walter Slezak, Max Auzinger, Nora Gregor
País: Alemanha
Ano: 1924