Thursday, September 20, 2007

Entrevista: Christian Liffers

O realizador alemão Christian Liffers está em Lisboa para apresentar, hoje, o documentário Dos Pátrias: Cuba Y la Noche, sobre a vida homossexual em Cuba. Antes da apresentação, falou connosco:


O que despertou a sua curiosidade sobre a vida homossexual em Cuba?
Foi mais ou menos um acaso. Fui a Cuba pela primeira vez em 2004. Fiquei muito supreendido e emocionado com as pessoas que conheci. Regressei ao fim de duas semanas e senti que tinha de documentar aquela cena naqueles espaços especiais. Passei um ano a tentar encontrar financiamento para fazer o filme, mas não o consegui na Alemanha. Então, em 2005, decidi fazer uma nova viagem, para investigar. E, depois, decidi produzir eu mesmo o filme.

Reinaldo Arenas é uma figura transversal às histórias e lugares que vamos descobrindo. Porque trouxe as suas palavras e memórias a este filme?
Foi outro acaso. Quando regressámos de Havana em 2004, o filme do Julian Schnabel [Antes Que Anoiteça] tinha acabado de estrear. E aquela figura impressionou-me. Comecei a ler muito do que tinha publicado em inglês, espanhol e alemão. E foi uma decisão rápida... Ele é um pouco o percursor daquela cena em Havana, e era muito interessante ver se haveria diferenças entre a vida de há 25 anos e a de hoje. O que mudou e o que está na mesma...

O que mostra são retratos de figuras afastadas do mainstream da vida cubana do dia a dia. Como conseguiu chegar a estes casos?
Foi um processo longo. Passei duas viagens a fazer investigação. E a última durou dois meses. Encontrei-me, todos os dias, de manhã à noite, muitas pessoas, até chegar a estes seis protagonistas. Depois tive de encontrar os lugares onde me fosse permitido filmar. Tinha de explicar às pessoas que este era um projecto sério... É claro que houve dois lugares “proibidos”: um clube nocturno e uma festa privada. Nesta última só não fui autorizado a filmar o exterior do local para que não fosse, depois, identificado. Em muitas noites acabei bêbedo, porque tinha de beber rum para ir conversando com as pessoas com quem estava a falar. Foi árduo.

Como sentiu que a sociedade cubana reagia a estas figuras que conheceu?
Mais que um filme sobre um sistema político, este é um documentário sobre pessoas. E, sobretudo, sobre homossexuais numa sociedade machista. Que é também uma sociedade homofóbica. O filme fala da vida nesta sociedade. Fala de uma certa luta...

Houve casos que o surpreendessem particularmente?
Temos uma canção de reggaeton no filme... É um género muito popular. E como o hip hop, é uma música habitualmente muito homofóbica. Nem sempre, mas é frequente. E encontrámos um grupo que tinha letras muito boas. Perguntámos-lhes se queriam fazer uma canção para o filme. E é engraçado como se faz negócio em Cuba, porque concordaram em fazer e apresentar a canção (e a ceder os direitos) se nós fizéssemos um vídeo para a canção nova deles... Não pediram dinheiro. Só o vídeo. Assim, nos 11 dias de rodagem, além do filme, fizemos o vídeo deles. Fez-se em quatro horas. Ficaram com um bom vídeo, o que por lá é raro.

A música tem um papel central neste filme... Com um número final...
É um pouco como na ópera... Não tinha certezas antes de filmar, e reflecti muito sobre o conceito. Porque parecia-me claro que a música é uma realidade de facto importante em Cuba. Não é apenas aquele preconceito que temos dos velhos a tocar... A música é mesmo importante ali. Daí tornou-se necessário ter, para cada uma das pessoas no filme, uma canção própria, umas mais modernas outras mais antigas, em função da sua geração.