Saturday, September 19, 2009

Exposição Shocking Pinks
inagugura hoje no Cinema São Jorge

As obras estão desde ontem no foyer do Cinema São Jorge, mas só hoje tem lugar a sua inauguração oficial, pelas 19.00, na Sala Boundi, com a presença dos artistas. Ao longo dos próximos dias vamos aqui apresentar os artistas que participam nesta exposição e algumas das suas obras. Hoje aqui fica o texto dos curadores da exposição:

Esta exposição é uma tentativa de provocação. Sobretudo, provocar o que é expectável, dado que é aí que se pode realmente inscrever um desafio aos padrões que instituem o normativo. Porque mesmo quando se trata de abordar o que se entende por desvio, é difícil oferecer protagonismos a agentes menos colados a parâmetros e construções conformes a modelos entretanto ensaiados, por isso previsíveis. Ideias em torno dos fantasmas que assolam o campo social (cujo derradeiro papel, segundo alguns, poderá ser o da desestabilização, da ameaça conducente ao caos, da sabotagem) são na maior parte das vezes ideias feitas – mais claramente na sua propagação por um imaginário tipicamente conservador, de status quo; de forma menos visível, na maneira como a presença de tais ideias se esvai da ameaça que supostamente lhes está subjacente, instituindo-se apenas enquanto tubo de escape numa constelação de complexidades humanas estruturantes que, segundo nos garantem (e nós aprendemos a garantir), importa acima de tudo preservar. Aliás, no contexto dessa preservação assiste-se a um acelerar na procura de consensos alargados, de inclusão dos "transgressores" que, aparentemente, mais não procuram do que uma participação reconhecida e inofensiva num modelo social prevalecente.
No decorrer dos processos apenas esboçados, só a perda de potencialidades possivelmente bem mais interessantes, inscritas numa vontade e manifestação da diferença frente àquilo que naturalmente tende para o nivelamento, parece ser inevitável.
A actividade artística é abundante em produções que procuram pensar os sentidos do mundo noutras direcções, sublinhando a vontade irrecusável de pensar e agir de forma diferente; essa é, afinal, uma das suas mais celebradas qualidades – sendo igualmente uma das menos pensadas e possivelmente das mais temidas. Parece-nos importante tentar resgatar esse potencial, mas de uma forma menos contida e espectacular.
Seria bastante cómodo propor um projecto expositivo que oferecesse propostas caracterizadas pela agressividade ou pelo exercício de choque, ou ainda pela demonstração ilustrada de um ponto de vista correctamente estruturado; de certa forma, seria expectável que isso acontecesse. No entanto, estaríamos a sabotar aquilo que, em conjunto com os artistas e testemunhas desta exposição, nos interessa pensar bem como as formas de o fazer. Tal não passa certamente pela exploração da pose, um previsível tique decorativo sem qualquer possibilidade de abalo que se sobrepõe excessivamente a muitos dos discursos correntes na produção artística. Isso é por demais assinalável tanto nas propostas supostamente desligadas de toda e qualquer preocupação fora do âmbito "estritamente artístico", como nas obras que circulam e adquirem a tão ambicionada visibilidade com o apêndice das "preocupações" (ideológicas, políticas, humanitárias, etc).
O que nos interessou foi deixar pontas soltas. Na escolha dos artistas, na observação sobre as suas propostas (cujo resultado passa por esta apresentação), no estabelecimento de limites definidos capazes de encerrar um ponto de vista sustentado... Seria também bastante mais fácil ancorar qualquer uma destas linhas numa dissertação carregada de eficácia e segurança com princípio, meio e um confortável fim, capaz de assegurar a mais-valia de modelos que demonstrassem como e quando e a que propósito pensar a diferença.
Mas, em consonância com os verdadeiros agentes do que é estranho, do que se quer distinto, daquilo que é capaz de abalar e deixar novos incómodos, preferimos não o fazer. Esta proposta pretende assentar sobre essas formas de vontade, esquivando-se à pedagogia inscrita numa tentativa de lição sobre o que pode significar queer em Portugal (nem sequer nas artes portuguesas, e ainda que implicitamente esse seja um dos dados deste projecto), mas evitando igualmente o embate amordaçado do atordoamento com lugar marcado. Tudo aqui é mais subterrâneo, e implica necessariamente uma outra disponibilidade – ou pelo menos o fascínio de olhar por aí.
Procurou deixar-se passar (sem o deter) o contexto que nos interessou abordar de uma outra maneira, permeável às formas como os artistas apresentados a pensam, neste contexto e para este momento. Essas formas de pensar tocam-se, convidando-nos a participar nesse contacto e experimentação. Aqui está implicado um dos propósitos fundamentais desta exposição: ensaiar uma possibilidade de pensar a diferença, não de uma forma contida e exemplar, seguindo o trilho de um lado ao outro; mas em terreno aberto, instável, onde a inquietação de cada um possa concretamente tornar-se activa e participar.

João Mourão e Nuno Ramalho
Curadores da exposição Shocking Pinks