Tuesday, March 18, 2008

Histórias de Nova Iorque

Conhece edição em DVD entre nós um dos filmes mais premiados em festivais de cinema gay e lésbico da presente década, brindado também com o Grande Prémio do Júri, em Sundance, em 2004. Trata-se de De Irmão Para Irmão (no original Brother To Brother), escrito e realizado por Rodney Evans, e que representa mais que apenas uma narrativa de temática gay, um olhar sobre um movimento cultural que abalou as estruturas morais da América negra dos anos 20.

O filme divide o protagonismo entre duas figuras de gerações distintas, mas com interesses e alguns traços característicos em comum. É-nos primeiramente apresentado Perry Williams (Anthony Mackie), um estudante de artes que vive na Brooklyn de finais dos anos 80. Frequenta uma cadeira que discute a identidade cultural e política afro-americana, e toma como exemplo para outras formas de discriminação entre os discriminados a memória da escrita de Bruce Nugent, poeta e pintor com papel determinante na Harlem Renaissence (movimento artístico que gerou polémica entre a comunidade negra nova-iorquina de 1919 até meados dos anos 30) e que, em 1926, publicou o primeiro conto escrito por um negro americano usando personagens explicitamente homossexuais. Relegando para segundo plano a vida pessoal do estudante (a expulsão de casa dos pais, as suas relações de amizade e a frustrada demanda pelo amor), o filme ganha fôlego quando a vida de Perry se cruza com a de Bruce Nugent, agora um idoso sem-abrigo. O admirador e o admirado trocam ideias. Bruce (Larry Gilliard Jr) partilha memórias, encontrando assim a narrativa pontes entre dois tempos, o do presente, onde as palavras se trocam e a acção flui e o do passado, onde a memória, com a patine do preto e branco, recorda como, por vezes, só a capacidade de sonhar dos artistas rompe fileiras para dar visibilidade a vozes menos capazes de se fazer escutar. Imagens reais da Nova Iorque negra dos anos 20 cruzam este constante diálogo entre o antes e o agora, conseguindo o realizador nunca largar as rédeas de uma história que, apesar de viver sobretudo de uma evocação, sabe que tem personagens no presente sem as quais o lembrar da memória seria inconsequente.