Wednesday, September 23, 2009

Shocking Pinks:
Carla Cruz + Ângelo Ferreira de Sousa

Pensamos nessas pinturas florentinas que levaram jovens a posar para o rosto das madonas, e em Proust quando enreda os sexos com astúcia e inabilidade que dão um prestígio misterioso às suas personagens.
Barbette tem êxito por se dirigir ao instinto de várias salas numa só e agrupar obscuramente sufrágios contraditórios. Porque agrada aos que vêem nele a mulher, aos que adivinham nele o homem, e a outros com uma alma que se emociona pelo sexo sobrenatural da beleza."

Jean Cocteau – Visão Invisível – Assírio & Alvim 2005



Os projectos que a dupla Carla Cruz – Ângelo Ferreira de Sousa têm apresentado resultam de um diálogo convergente relativo aos seus próprios trabalhos pessoais. Os vectores que, entrelaçados, tecem os projectos do colectivo procuram reforçar a eficácia de uma estratégia política de intervenção no espaço "público" ou em espaços de exposição. Esta colaboração, iniciada em 2000 no contexto de uma aventura colectiva mais ampla chamada Caldeira 213 e recentemente retomada com maior intensidade, é por vezes anónima, noutras vale-se da camuflagem que o discurso artístico oferece, mas tende sempre para uma espécie de desaparecimento sem resíduos. A precariedade do efémero é uma forma de luta. Como no caso das acções nos decrépitos edifícios do ex-cinema Águia d'Ouro e do ex-shopping dos Clérigos, situados no centro da cidade do Porto. Em ambos se explora uma ambiguidade sobre a origem do gesto artístico: como "lê" o graffiti deixado no antigo cinema, um eventual transeunte? Um gesto de protesto ou um delírio ao mesmo tempo atlético e poético? Na sequência da visita "turística" organizada ao antigo Clérigos Shopping vários meios de comunicação social se referiram à acção sem nunca citarem (nem desconfiarem) que estavam perante um acontecimento inserido nas actividades de um espaço de arte contemporânea (Apêndice). O abandono em que se encontra a cidade é um terreno fértil onde continuarão a intervir.